terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

PREFÁCIO PRA IVERSON

por Chico César

IVERSON CARNEIRO é um poeta do século passado. E é de lá que eu o conheço. Sempre me assustou por trazer a poesia em seu corpo comprido demais, seu cabelo desgrenhado e a fala de hippie nortista, com cerceio e a ausência de alguns dentes. Isso tudo acentuando-se pela voz gutural que teimava em pronunciar-se sempre com vigor. No final do século passado. Mais precisamente no começo dos anos 80. E em João Pessoa, a bucólica capital paraibana.

Era um poeta sem livros. Trabalhava então o deslocamento. Não da palavra em si, mas o seu próprio. Poesia, mesmo, era dita, gritada, gemida, escarrada ali pelo Ponto de Cem Réis, no centro da cidade, ou em auditórios escolares para susto de alguns zelosos diretores e gáudio da juventude irreverente e praieira.

Segundo a lenda o “gigante” vinha do norte, onde nascera. O certo é que sobrevivia do artesanato que fazia e vendia: brincos, pulseiras, colares, esses balangandãs de sempre.

Como dizem as mães de família, o mal anda sempre acompanhado. Iverson, além de amigo dos artesãos, também era cativo das rodas alternativas de João Pessoa. Músicos, poetas, artistas plásticos e atores capitaneados por Pedro Osmar (um misto de todas essas ocupações) reuniam-se sob qualquer pretexto. E lá estava ele, imenso. Assustador. É daí que eu o conheço.


Vivíamos um misto de fim do desbunde, fim do regime militar e abertura política. Algo ali se findava e nós não queríamos findar junto com aquilo. Estávamos, na verdade, começando. Lançando livros mimeografados, fitas cassete com nossas músicas. Era necessário buscar caminhos. Individuais e coletivos. E Iverson Carneiro, experimentado em andanças, inventou o seu próprio.

Publicou seus livros, sempre comprometidos com a liberdade. Deslocou-se, sinuoso como um afluente do Amazonas, para o Rio de Janeiro e daí para Niterói. Agora nos apresenta esse catatau. Uma boa mostra de que se um poeta não se faz com poesias, elas ajudam bastante. Intitula o livro de “MOLEQUE VELHO” num lance autobiográfico com um quê de sentimental.

Para nós, seus leitores, é um presente ver que um poeta do século passado está conosco. Aceso, teso, coeso, coerente. Ajudando-nos a enfrentar o tédio e o preço da boa vodka, num século que começa quase sem poesia. Dá alegria perceber que o rio caudaloso que agora se nos apresenta, é o mesmo igarapé que brotou tempos atrás em terras amazônidas, onde se influenciou pelas águas de Thiago de Melo e depois Ferreira Gullar. E em sua passagem pelo Nordeste bebeu em rio seco nas cacimbas de Patativa do Assaré, Zé Limeira, Oliveira de Panelas, João Cabral de Melo Neto e outros.

Não fica de fora, é óbvio, a escritura de uma geração que é meio um jeito de corpo com a vida e a literatura e que tem a ver com Paulo Leminski, Ana Cristina César, Nicholas Behr, Glauco Matoso, Chico Alvim e afins. Poesia urbana, cheia de afetos e desafetos, cacos e vasos comunicantes; concretos, modernos do Brasil, engajados críticos, cronistas. É assim que agora dá vazão esse jovem e ruidoso rio que se chama Iverson e se imagina velho. Não é que agora ele esteja menos assustador. Eu que já me acostumei um pouco.


São Paulo
Inverno/2002

2 comentários:

  1. Prefácio ao livro MOLEQUE VELHO, editado em 2005, no Rio de Janeiro

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  2. Saída do meu nordeste, andança pelo Rio de Janiero. Essa minha alma de animal silvestre e mente de boêmio certeiro, me fez cair de encontro com o gigante moleque arteiro. Mudou minha vida.
    Escrever por escrever todo mundo sabe, muitos o fazem. Escrever e ter coragem é diferente.
    Foi assim que o conheci, por essas aventuras teatrais da vida e escrituras corajosas dos poemas.
    E assim fiquei, um eterno fã.
    Vida longa ao Moleque Velho!!

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