segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

do livro "OBSERVÂNCIAS DO RIO & outros avulsos"




Projeto ARTE JOVEM BRASILEIRA, no Espaço CONVÉS - Niterói, 02/06/2008

TRAVESSIA-1991


1° ATO BARCA DE NITERÓI

Dois hominhos
e uma menininha,
recém-chegados do norte.
Pais abobalhados
tomam conta...

A baía... os navios...
o castelo e a ilha
cheia de pés de coco.


2° ATO INSÔNIA

A favela e o lixo,
o frio e a lama,
o barraco e o barranco;
tiros na noite...

Choro de criança
e a novidade da chuva
ameaçando tudo.


3° ATO EPÍLOGO

Uma vontade danada
de voltar pra terra.



RELÓGIO DA CENTRAL-1992


Blém! Blém! Blém!
Bate o sino pequenino,
sino de Belém;
nasceu o deus menino,
é meia noite.

Blém! Blém! Blém!
Bate o sino pequenino,
da igreja pequenina,
do interior;
é meio dia.

Blém! Blém! Blém!
Bate o sino majestoso,
da catedral majestosa,
da cidade grande;
é hora da Ave Maria.

Blém! Blém! Blém!
Entre um e outro badalo,
o relógio, calmamente,
vai dizendo das horas.



CINEMAS DO RIO-1991


No Leblon
tem cinemas.

Ipanema e Copa
também têm cinemas.

Largo do Machado,
um montão de cinemas.

Cinelândia
cinéfila...
Rio, um mar de cinemas,
exatamente assim,

cheio de fotografias
como o meu poema.



GESTAÇÃO-1985

ao poeta Sérgio Franco


Papel!
Máquina!
Ação!

Flui o poema
em dedilhados frenéticos.
Sua o poeta,
sorve a idéia,
vomita a palavra.

Papel!
Máquina!
Ação!

Sua o poeta,
flui a idéia,
sorve, frenética, a palavra,
em dedilhados
vomitados.

Papel!
Máquina!
Ação!

Poema pronto.
Filho concebido.



ANTROPOMAGIA-1986


Quando o coelho, assustado,
pulou da cartola,
o expectador faminto,
da primeira fila,

NHOC!!!



CASO DE RUA-1984

O leite no copo,
o gato na mão.

O gato, todo molhado
pela maldade do zelador.
O leite, milimetricamente dividido,
para morrer dilacerado
pelas garras agressivas
das duas fomes.

Nem leite
nem copo agora;

só o gato, ferido,
entoa espasmos
ao ritmo frenético
do tremor do frio.

O garoto, prostrado,
chora soluços dissonantes.
O gato morre. E o zelador
continua seu trabalho
em favor do “bem comum”.



AS MARIPOSAS-1992


A mariposa da minha rua
se chama Lua
e me joga beijos cor de carmim.

A mariposa da rua que eu morava
se chamava Eduarda
e era bela como um sol de primavera.

A mariposa da rua da frente
vive doente
e seu nome é Rebeca.

A mariposa do meu jardim,
de nome Aladim,
gosta de rosa amarela

...................................................................

Lua minguou.
E seus seios volumosos
não mais se estendem na janela,
à espera de homem.

Eduarda, coitada,
morreu na calçada,
embriagada, sifilítica,
em decúbito dorsal, na sarjeta.

Rebeca, moleca,
perdeu todos os dentes,
de um soco bem dado
pelo gigolô Cicatriz.

Aladim, esta sim,
luminosa e faceira,
voa, voa, voa,
sempre mais perto de mim!

..................................................................

As mariposas do meu poema
são meros fonemas,
dos quais me utilizo
para contar esta história.



MORTE DO MENDIGO-1993


Morreu mais um.
Marceneiros dão os últimos retoques
na urna funerária,
sem verniz ou cetim.
Coveiros cavam o chão:
comprimento dois metros,
fundura sete palmos.
Morreu de fome,
morreu de tédio,
ou, quem sabe, como o poeta,
morreu de vodka.
Estendido na calçada,
espera a chegada do padre
para a última ladainha;
mas não tem padre, nem rezas,
nem coroinha vestido de saia.
Espera os convivas do velório,
para beberem
seus últimos instantes sobre a terra;
mas não têm convivas,
nem terra,
nem capela ornamentada com flores.
Morreu de fome,
morreu de tédio,
ou, como preferiria o poeta,
morreu de vodka.
Ao corpo estendido na calçada
uma apenas vela caridosa.
E um enterro numa sepultura,
sem nome na lápide,
patrocinado pela municipalidade.



CASO DE RUA 2-1985

a Ricardo Castanheiro


A bola fez curvas no ar
e quebrou o vidro da janela.
O dono da casa, furioso,
cortou a bola ao meio;
do corte sangraram lágrimas.

Pedras voaram
do coração da molecada,
mais vidros estilhaçados

- revolta -

e mais fúria!

Chama a patrulha
que prende, que bate,
chama a patrulha!

Sai da frente
que lá vêm os “omis”
e as suas mãos cospem fogo!

O mais jovem dos moleques,
no entanto, não teve tempo.
O seu sangue
marcou a história da rua.



“Os túmulos não são discretos. Se não dizem nada, é porque diriam sempre a mesma história;
daí a fama de discrição. Não é virtude, é falta de novidade.”
Machado de Assis


TESTAMENTO-1988


Quando eu morrer,
quero um caixão todo coberto
de papel branco,
cheinho de poesias,
que eu possa ler, bem tranquilo,
no silêncio da minha sepultura.

Mas não colem poemas de amor,
pois que dele eu terei morrido...

Colem poemas de protesto,
desses que falam da fome do povo,
do banqueiro agiota,
do latifundiário cruel e assassino.

Ou então, que falem de vida!
Do verde das matas, do canto dos pássaros,
do marulhar das ondas... da chuva,
da água clarinha do rio.

Quando eu morrer,
só não quero poemas de amor;
pois que dele,
eu certamente terei morrido.

Um comentário:

  1. Meu Paiéta... é "O Poeta" de primeira... prezando...
    desprezando...

    ambém é "pai de primeira"...

    ...Viagem sempre!!!



    Igor Vinícius

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