segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

do livro MOLEQUE VELHO

Lançamento do livro MOLEQUE VELHO na Biblioteca Pública Municipal de Miracema - em 15/09/2006


O POEMA-2001


Um livro
é um livro,
assim como um verso
é um verso.

A contra capa do livro
é o reverso do verso,
assim como o poema
é um conjunto de versos...

- Tudo definição matemática! -

Mas o poema
gosta de matemática
e de emoções fortes,
e é caótico como as equações,
antes de suas resoluções.

O poema não é exato,
é ato de criação
e carametade do fato.

O verso é um pedaço
de poema e desespero,
construído a fogo e aço.



MEDIAÇÃO DE POETA-1999


A palavra,
procuro-a no espelho,
onde, sei, se enfeita
feito meninas,
vaidosa, fingindo-se mocinha.

O poema,
velho e mau humorado,
se irrita com a futilidade da palavra
e se nega a existir
sem o sangue das chacinas.

Ah, o poema!
Velho amigo que beija a ponta da pena,
mas não se convence
da utilidade do verso de amor
e se finca na dureza das ruas!

A palavra?!
Procuro-a no espelho.
O poema?!
Encontro-o nas ruas.
E tento um acordo entre a palavra e o poema.



MEU VÍCIO-2000


Meu vício é fazer versos.
Simples como um cigarro
comprado a varejo.

Bastam-lhe um isqueiro,
a brasa, a fumaça
e um pulmão desatento.

Meu vício de fazer versos
não tem a dificuldade
de apertar o fumo na seda,

nem a sofisticação
da nota de cem enrolada,
e giletes alinhando carreiras assépticas.

Meu vício de fazer versos
é simples
como um cigarro aceso.

E rápido
como um câncer
comprado a varejo.



ELA-2001

a Cássia Eller


Ela pororoca rouca,
ela descida do cerrado,
ela viajante do alagado,
que inunda nossos quintais.

Ela rugido de mil borboletas,
que estoura em nossos jardins,
a cantar estripulias
nos ouvidos dos querubins.

Ela luz que até o Sol clareia,
Lua perdida na noite,
ela sangue jorrado do açoite,
ela violência de maré cheia.

Ela malandragem de saia,
criança atrás da verdade,
ela dona de fogo,
identidade de virgem,
ela Saramandaia.

Ela voz nuvem,
ela pecado de inverno,
canto que não vai pro céu;
relicário de poesia,
cantadeira da folia,
pesadelo de Emanuel.



CORRIDAS-2002


Corrida do carrinho de mão,
corrida de um pé só,
corrida do saco,
corrida do ovo na colher.

Corre, criança, corre!
Mas não tenhas pressa
de te tornar adulta,
que o poema espera!



MEUS VELHOS-2001

a Claudio Barradas, Rui Barata e Fernando de Macêdo


Os meus velhos se passaram
e eu já velho fico;
me deixaram de presente
um buquê de sabedorias,
um paneiro de escárnio
e um tanto de poesia.

Os meus velhos se passaram
e eu já velho fico;
me deixaram de presente
um canto de rebeldia,
um amor e uma musa,
e acordes de cantoria.

Os meus velhos se passaram
e eu já velho fico;
me deixaram de presente
um pacote de ironias
e as cinzas das suas vidas
num tacho de vilanias.

Os meus velhos se passaram...
e eu, quando bem velhinho, passarei!
Não deixo aos futuros velhos
nenhuma filosofia,
das contas do que vivi,
só minhas idiossincrasias.

Os meus velhos
e suas hipocrisias,
passarinhos.



A DONA DA LUA-2000


Era uma noite de lua,
vagalumes lumiavam os campos,
lobisomens domavam seus santos
e demônios vomitavam no escuro.

E a moça, que era da noite,
cavalgava seu potro na cama,
desdenhando do Sol e da Lua,
amazona em quarto crescente.

Toda luz que vinha do céu,
era corpo, era rosto, era lança,
era dança na penumbra do breu,
nas batidas de um coração.

Era um sonho numa home page,
o desenho perdido no caderno,
feito a moça da noite de lua,
feito o sangue gravado no pano.

Mas a centelha virgem do dia,
com seus raios de sol abundantes,
destampou a bobina da noite,
deflorou a dona da Lua.



SOBRE O AMOR-2003


O amor não cabe
na pressão de uma panela,
nem é pinguim de geladeira...
o amor – paixão de soqueira.

O amor é vento
que não para de soprar,
chuva que molha de verdade,
planta que precisa de terra e água.

O amor não tem dinheiro,
é farrapo humano
travestido de príncipe,
é fiapo de feijão
que se finge caviar,
é fel, é giló, é de amargar.

E o amor
também tem seus muxoxos;
quando não fala,
o amor vira coxo.

Manca das duas pernas,
dos braços e dos olhos,
implode o coração,
congela o vulcão.

O amor, quando amor,
aprende a dizer não.



AS MULHERES DA MINHA VIDA-1998

para DANI e THAIA, minhas enteadas; LOLA (in memorian) e BRANCA, minhas cadelas; ELIANA, minha mulher.


As mulheres da minha vida
são flores coloridas,
colorindo as jardineiras
das janelas da minha casa.

As mulheres da minha vida
são suas roupas limpinhas,
colorindo os varais
dos meus fins de semana.

Duas das mulheres
da minha vida
vivem no quintal.

Uma, dentes afiados,
destroça dejetos e desejos
largados pelo chão.

A outra, sensual e malemolente,
veste-se de pelo negro,
tal qual uma bela princesa africana.

As de dentro da minha casa,
mais dentro da minha vida,
carregam em seus nomes
as letras mais vadias do alfabeto.

A primeira o T;
de todas as travessuras
que tramei na infância.

A segunda o D;
que deleta com o corpo
os pecados do mundo.

E a principal delas o E;
que embeleza nossa casa
e embriaga meu corpo,
nas noites em que nos enroscamos.

Todas as mulheres da minha vida
têm vida própria.
E passos certeiros e firmes,
que ouso vestir de poesia.



POEMA INACABADO PARA ELIANA-1994


Meu amor por ela não tem alma,
é puro corpo, sangue, sexo,
não tem do espírito a calma,
na cama meu amor não tem nexo;
meu amor por ela é sem traumas.

Meu amor por ela não é santo,
não é demônio, não é duende,
é prazer e desespero e pranto;
dos desvios d’alma independe,
meu amor por ela é encanto.

Meu amor por ela é insano,
destrói, devora, é erótico,
é a paz da carne, é decano
do prazer desvairado, é gótico;
meu amor por ela é profano.

Meu amor por ela é um poema
destroçado pelos dilemas da paixão,
da rotina dos corpos é o lema,
são versos suados de tesão;
meu amor por ela são zil fonemas...



DEUSES E DEMÔNIOS DO AMOR-2003


Quando o amor me diz:
não me venhas com ilusões descabidas,
a ferida, outrora aberta,
despetala como rosa em solidão,
num campo de centeio.

Quando o amor me insiste,
a mim, que não sou apanhador de nada,
metrifico meu padecimento,
verborralizo meu comedimento,
meu coração não se amola com nada,
é só músculo e nada mais.

Quando o amor me sacraliza,
atiro pedras no meio do caminho,
quero um rei pra meu amigo,
nem que seja em Pasárgada,
onde não tem bomba atômica
e mulheres de hortelã são a munição disponível.

Quando o amor me petrifica,
rolo ladeira abaixo
no poema que não se realiza.
Espero um sinal:
de um Deus que não se manifesta,
ou de demônios que me levem para a festa.

Quando o amor, enfim, me ama,
amo em verso e prosa,
ainda que um amor de déspota.



SOBRE O AMOR II-2003


Não existe vida
sem amor.
Na lida do dia a dia
o amor vadia.

Quando o amor ama,
o corpo clama por amor,
e se é feitiço da paixão,
desmancha o chão sob os pés.

O amor é bicho forte,
de sorte que não teme
o descontrole do leme,
nem os azedumes da paixão.

Mesmo na dor é amor;
e se das taras da paixão
se infesta, incendeia
as florestas do coração.

Paixão sem amor
não tem graça,
mas o amor necessita
da paixão velhaca.



CABEÇA-2000

a Walter Franco


UUUMAAA!!!

Uma
Uma
Umama!!!

Uma
Uma
Umama!!!

Uma
Uma
Uma
CABEÇA!!!

Duas orelhas e uma boca,
dois olhos e um nariz,
sobrancelhas e maxilares.

Em cima,
o couro cabeludo;
dentro,
o centro de tudo.



NÓIS-2004


Nóis é feio,
nóis fala errado,
nóis é misturado,
nóis é brasileiro.

Nóis é moreno,
quas sempre boleiro,
quas sempre pequeno,
nóis é brasileiro.

Nóis é dolente,
nóis gosta de rede,
nóis sofre com a seca,
nóis é brasileiro.

Nóis gosta de samba
e de carnaval,
se o calor é forte,
nóis fica no sol.

Nóis se bronzeia
com a luz da Lua,
nóis ingana o tempo,
e o tempo é que sua.

Nóis gosta dos mato
das nossas floresta,
nóis toma umazinha,
nóis gosta de festa.

Nóis é primitivo,
nóis come banana,
nóis dança forró,
nóis não é bacana.

Nóis temo o feijão
com muito jabá,
nóis é do Acará,
nóis canta o baião.

Baião de dois,
som de atabaque,
terreiro de santo,
pagode na praça.

Nóis é brasileiro,
da terra do sonho,
nóis luta e nóis goza,
sem pecado e sem reza.



MOLEQUE VELHO-1998


Meu coração,
veio aberto,
indaga cataratas.

Meu coração,
moleque velho,
mergulha e volta à tona.

Noites e noites
cochicha com o vento,
que sopra coisas do nada.

Meu coração,
mergulho e cataratas,
esperto.

No tempo
meu coração é mudo,
não dá conselhos.

No verso,
lento e bobo,
espectro da paixão.

Dias e dias
vadia pelas folhas,
borrando o branco do papel.

Meu coração,
juntador de cacos,
espelho.



QUETAIS-2002


Máscara no rosto – palhaço,
homem voando – circense,
gesto estranho – nonsense,
fogueira estalando – fagulha.

Agulha no palheiro – procura,
agulha no corpo – injeção,
febre alta – febrão,
mês de novembro – calor.

Bolor – comida estragada,
bolo na mão – palmatória,
uma vida – história,
menino cheirando – cola.

Bola no campo – futebol,
bola pro outro – namoro,
barulho de fogos – estouro,
barulho de folha – silêncio.



PRONOME PESSOAL-2003


Eu existo.
E por existir,
uma febre teima
e me alcança
bem no meio da existência.

Aí insisto.
E por insistir,
a febre vai-se;
e resta somente
um olor de corpo quente,
sobras de um mal
que já não sinto.

Aí eu grito.
E este meu grito rude
é um sinal
de que me necessito.

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