quarta-feira, 15 de julho de 2009

Exclusivo: cineasta paraibana fala sobre filme inédito em favelas cariocas


entrevista concedida pela cineasta paraibana Manaíra Carneiro ao site JANELA CULTURAL, de João Pessoa



Produzido por Cacá Diegues, filme conta com antigos e novos realizadores

Por Marcelo Soares

Em 1962, o filme Cinco vezes Favela foi lançado tornando-se a única incursão cinematográfica do Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE) que conseguiu ser finalizada. Quarenta e seis anos depois a Luz Mágica Produções, produtora de Carlos Diegues e Renata de Almeida Magalhães, está produzindo o longa-metragem “Cinco Vezes Favela, Agora por nós mesmos”, escrito, dirigido e realizado por jovens cineastas moradores de favelas do Rio de Janeiro, treinados e capacitados a partir de oficinas profissionalizantes de audiovisual ministradas por grandes nomes do cinema brasileiro, como Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra, Walter Lima Jr., Daniel Filho, Walter Salles, Fernando Meirelles, João Moreira Salles.
Um desses novos cineastas é a paraibana Manaíra Carneiro, a mais jovem do grupo com 21 anos, moradora de Higienópolis, teve sua primeira experiência com cinema em curso do Cinemaneiro, realizado em sua comunidade, em 2002. Terminou a Escola Técnica de Audiovisual e dirigiu o curta-metragem “Café Sem Chantilly”, com o grupo Cinemaneiro. Cursa a faculdade de Estudos Culturais e Mídia na Universidade Federal Fluminense. É integrante da OSCIP Cidadela – Arte, cultura e Cidadania. Em entrevista ao nosso portal ela fala sobre o trabalho no filme, que tem previsão de lançamento para o ano que vem.

Janela Cultural: Como surgiu para você o “Cinco vezes favela, Agora Por Nós Mesmos”?

Manaíra Carneiro: Comecei a fazer cinema em 2002, quando tinha 15 anos. Na época, um grupo de jovens pertencentes a uma cooperativa de cinema chamada Fora do Eixo realizava oficinas de cinema em comunidades que beiravam a via expressa linha amarela que tem aqui no Rio – as oficinas acontecem até hoje e se chamam “Cinemaneiro” -. Então houveram inscrições para essa oficina em minha comunidade, me inscrevi e fui selecionada para assistir as aulas. Depois disso não parei mais de trabalhar na área, aliás, nunca fiz outra coisa da minha vida além de estudar. As oficinas cresceram e os ex-alunos, como eu, sentiram necessidade de ter um local para desenvolvimento dos projetos, como uma produtora mesmo. Nesse momento a Fora do Eixo não estava dando mais certo e acabou. Então, os coordenadores do Cinemaneiro, Frederico Cardoso e Viviane Ayres, nos propuseram a criação da OSCIP CIDADELA – Arte, cultura e Cidadania. Hoje faço parte da Cidadela e realizo meus projetos através dela.
No caso do 5x Favela, o Cacá Diegues entrou em contato com a Cidadela propondo a participação em um dos episódios, daí ele organizou a oficina de roteiro na qual o Rafael Dragaud deu aula, e dessa oficina saiu nosso argumento através dos votos da turma de roteiro. Depois cada grupo trabalhou nesse argumento dando origem a 1ª versão desse roteiro que foi usado nesses últimos 3 anos para a captação de recursos para a realização do filme.
Janela Cultural: Antes da produção do filme ocorreram oficinas durante os meses de abril e maio com 229 Jmoradores de diferentes comunidades. Qual sua opinião a respeito de projetos como esse?

Manaíra Carneiro: Participei de todo o processo das oficinas , inclusive fui aluna na oficina de direção ministrada pelo Ruy Guerra e Janaína Diniz, além da oficina de direção de atores que foi dada pelo Walter Lima. Foi ótimo. As oficinas me deram mais segurança para dirigir um filme com esse porte.
Esse filme está acontecendo de forma única, pois nunca houveram produções com esse porte que absorvessem tantos profissionais iniciantes e oriundos de classes baixas. O cinema brasileiro ainda é dominado pelas classes com maior poder aquisitivo e esse filme representa uma abertura para novos profissionais e novos olhares tornando o cinema mais plural, fazendo com que as pessoas digam elas mesmas como são, o que fazem e como fazem, não é justo que outras pessoas contem nossas histórias se nós temos a capacidade de contá-las por nós mesmos. Acho que o cinema brasileiro como um todo está vivendo um momento de ampliação de olhares e renovação e o “5x Favela – Agora Por nós mesmos” – é um forte candidato a marco dessa transformação.

Janela Cultural: Você acha que o “Cinco vezes favela” de 1962 tinha uma visão pouco explorada da realidade de uma favela?

Manaíra Carneiro: Vi o primeiro 5x Favela há alguns anos e o Cacá nos pediu que não víssemos novamente, então não vi de novo, até porque o filme é de difícil acesso. Vou comentar o que lembro. Não acho que a visão sobre a favela do primeiro “5x favela” tenha sido pouco explorada, são filmes ficcionais, não podemos perder isso de vista, além de serem bem poéticos, talvez tenha sido uma visão romântica, o que ao meu ver, foi uma ótima opção para retratar realidades tão duras num momento em que o país não conhecia tais brasileiros. Cada diretor vai traçar um ponto de vista num determinado espaço de tempo, então a exploração da temática sempre vai perder de alguma forma, porque sempre temos escolhas a fazer no sentido que quando se opta por uma coisa, imediatamente se perde outra, e no cinema nenhuma escolha é errada, são pontos de vista diferentes apenas.

Janela Cultural: Seu capítulo no filme, “Fonte de renda”, é sobre um jovem negro que vai para a faculdade. Por que a escolha dessa temática?

Manaíra Carneiro: Não fui eu quem escolheu a temática, apesar de me identificar bastante com ela. O argumento do roteiro saiu da oficina de roteiro feita lá na OSCIP CIDADELA. Esse tema é bem contemporâneo, hoje temos muitos jovens pobres e negros ingressando em universidades, por isso é relevante, além de ser bem parecido com a minha realidade e com a do Wagner que vai dirigir junto comigo, nós dois passamos para uma universidade, eu to na Universidade Federal Fluminense e ele na Estácio. Há cenas no episódio que tiramos do nosso dia-a-dia mesmo.

Janela Cultural: Você acha que a lei de cotas para negros é uma alternativa que dará resultados a longo prazo?

Manaíra Carneiro: Acho que a lei de cotas é fundamental como um primeiro passo para diminuir o abismo educacional entre as classes e prestar um mínimo de solidariedade aos negros que tanto sofreram e sofrem até os dias atuais, afinal o Brasil deve muito a eles ainda, mas ela por si só não é a solução do problema. Todo ensino de base é uma vergonha, por exemplo, e as universidades não constroem elos com a sociedade de maneira a não prestar serviços a comunidade civil, então não sei para onde vão todas as pesquisas que são financiadas, poucas retornam para a sociedade, essas normalmente tem investimentos de empresas privadas. Então cria- se essa distância enorme entra a Universidade e a Sociedade. Deixando o saber para poucos. E o sistema de cotas está ajudando nessa aproximação, espero eu.

Janela Cultural: Qual sua opinião sobre esse cinema nacional de maior cunho social?

Manaíra Carneiro: Acho que a arte já tem um cunho social por si só, ela não precisa de justificativas. O problema é que o cinema brasileiro estava em mãos de poucos e agora isso está mudando. Por isso as leis de incentivo e projetos como este são fundamentais, para ampliar nossa produção e dar oportunidade para que os artistas criem independente de sua condição social, aí teremos uma arte plural.
Os cinco filmes de ficção terão cerca de 20 minutos cada um, filmados em película e finalizados digitalmente, escritos, dirigidos e totalmente realizados por jovens cineastas moradores de favelas cariocas, sobre diferentes aspectos da vida em suas comunidades. Tem o apoio da Central única das favelas (CUFA), em Cidade de Deus, o Nós do Morro, no Vidigal, o Observatório de Favelas, no Complexo da Maré, AfroReggae, em Parada de Lucas e o Cidadela, com sede na Lapa e será distribuído pela Sony/Columbia do Brasil. São co-produtores do projeto a RioFilme e a Globofilmes, contando também com o patrocínio, através das leis de incentivo, do BNDES, da LAMSA (Linha Amarela) e da MMX (Eike Batista), e parceiras das empresas de cinema Quanta, TeleImage e Videofilmes.

Mais Informações: http://www.5xfavela.com.br/

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