sábado, 31 de janeiro de 2009

CORDÉIS DE IVERSON CARNEIRO

todos do livro MOLEQUE VELHO



MARTELO CARIOCA-1995


Neste inverno de julho prazenteiro,
vejo o Rio lacerado mas contente,
vejo a força e a alegria de sua gente
e a certeza de um novo janeiro;
vejo o céu se abrir pro mundo inteiro
e a Lua brilhar no meio dia,
vejo as formas fogosas da folia,
desfilando a nudez de todo ano;
mas a bala do revólver traiçoeiro,
mata, ao vivo, meu martelo alagoano.

Não desisto, porém, de ser cigano,
nem de amar essa luz tão majestosa,
que invoca a pomba gira mais formosa
e balança a cabeça de fulano;
vejo nela o desenho de um cabano,
recompondo a magia das bandeiras,
refazendo a risada galhofeira,
do carioca cantor e suburbano;
mas a bala do revólver, traiçoeira,
mata, ao vivo, meu martelo alagoano.

Da paisagem sangrenta da favela
brota o samba, invadindo as sesmarias,
e o funk que detona todo dia,
a princesa de asfalto, que é a mais bela;
com seu charme de criança, soberano,
grita a doida falsidade da donzela,
geme o mal, que é das gangs da procela,
abre o colo, sedento de baiano;
mas a bala do revólver, tão singela,
mata, ao vivo, meu martelo alagoano.

Pra cantar meu repente e minha glosa,
afilei minha rima incomparável,
e o canto da caipora, inigualável,
explodiu bem em frente a minha prosa;
neste andar de viajante, poeta insano,
destilei minha verve de nortista,
fiz do verso minha arma de artista,
pra viver neste Rio belo e mundano;
nem a bala do revólver, que é arisca,
mata, ao vivo, meu martelo alagoano.




CORDÉCADA-1999*


Faz dez anos que dormimos,
sem sentir nenhuma dor,
da planta que nasce a flor,
abraçados nós sorrimos;
com jeito de quero nada,
agarrei no teu calor,
nos calos do lavrador
inspirei minha cantada;
uma noite não é nada,
pra dormir com meu amor.

Um anjo desceu do céu,
num sopro do Criador,
ouvindo a voz do cantor
eu fui despindo teu véu;
bem antes, embriagada,
a noite rendeu louvor,
com sonhos de sedutor,
acampei na tua morada;
uma noite não é nada,
pra dormir com meu amor.

Não esqueço do apetite
do meu verso sem pudor,
que no carro, com furor,
desprezou todo limite;
voou com a passarada,
desvendou teu esplendor,
suor santificador,
santificou tua charada;
uma noite não é nada,
pra dormir com meu amor.

Os amores da história,
nos versos do cantador,
lorotas de sonhador,
dão ao homem toda glória;
mas na verdade da estrada,
do anjo exterminador,
o homem é o perdedor,
a mulher jóia sonhada;
uma noite não é nada,
pra dormir com meu amor.

Em dez anos de folias,
das sofrências fui feitor,
de alegrias corregedor,
inventor de maresias;
nossas altas madrugadas,
nosso leito gemedor,
nossa alcova, nosso andor,
são capelas profanadas;
uma noite não é nada,
pra dormir com meu amor.

*Mote do cantador Oliveira de Panelas



“Chico Buarque é um compositor maravilhoso, mas de certo modo foi esgotado.” (Zeca Baleiro/JB, 04/10/1999)

SOBRE ZECA BALEIRO
E CHICO BUARQUE-1999*


Dos confins do Maranhão,
pro Brasil embasbacado,
- Chico Buarque tá esgotado!
Mandou Zeca sem perdão.
No JB, a la carte,
de francês, não brasileiro,
maculou nosso terreiro,
abriu guerra até com Sartre;
quem nasceu para baleiro,
nunca chega a baluarte.

O poeta pisou na bola,
ao falar tamanha asneira,
o chute saiu de primeira
num vacilo da cachola;
dançando a dança sem arte,
sem ginga de partideiro,
foi brega, picareteiro,
pisando o solo de Marte;
quem nasceu para baleiro,
nunca chega a baluarte.

Do sertão ao litoral,
foi aquele sururu,
do subúrbio à zona sul,
e até nos bondes do mal;
todo mundo deu de pau,
armou-se o maior banzeiro,
que a touquinha do arteiro,
pediu trégua a Malazarte;
quem nasceu para baleiro,
nunca chega a baluarte.

Dos pagodes da Ciata,
ao forró do zabumbeiro,
cuíca de sanfoneiro
é mistura e não desata;
batuque de casa-mata,
aviso de mandingueiro:
em Mangueira e no Salgueiro
respeita-se o bom Buarque;
quem nasceu para baleiro,
nunca chega a baluarte.

*Mote do poeta Manuel Gomes



...& O MUNDO
NÃO ACABOU-1999


Pastores em plena praça,
destrincharam Mirabeau,
todo o povo mergulhou
num pileque de cachaça;
em cabine do Chalaça
até padre fornicou,
perguntar ninguém lembrou,
se era verdade a farsa;
plantaram tanta desgraça,
e o mundo não acabou.

Papel banquete de traça,
pergaminho que mofou,
centenário de avô
se comemora em pirraça;
o vinho se bebe em taça,
o sonho nasce da flor,
deputado e senador
são rebutalhos da raça;
plantaram tanta desgraça,
e o mundo não acabou.

Uirapuru se disfarça,
de pit-bull roedor,
consolação de doutor,
com a doença não trapaça;
nas entranhas da louraça,
fast-food se instalou,
a sandice que engendrou,
não tem verso que desfaça;
plantaram tanta desgraça,
e o mundo não acabou.

Caçador fugiu da caça,
passarinho do condor,
a santa pulou do andor,
pra festejar com a massa;
se tem fogo, tem fumaça,
diz o santo ao pecador,
o tubarão predador
come peixe com manguaça;
plantaram tanta desgraça,
e o mundo não acabou.



“O contra ponto ao caos vicioso da espiritualidade cristã, é o caos virtuoso do materialismo pagão e suas conexões com o universo.”

CAÓSMICO-2002


Visto do fundo do mar,
da contra-mão do universo,
o disparo do canhão
é ar comprimido, é reverso;
no plexo da paixão
é soco cruzado e convexo.

O verso não pede licença,
é nobre, é centurião,
no contra-tempo da canção,
seu natural é o inverso;
sem nexo, é do Maranhão,
e de Plutão vira anexo.

Jesus Cristo (Jorge Mautner),
ao ficar nu,
fumou, bebeu e versou,
o peixe fora do mar,
vira tubarão voador;
ao cheirar moça branquinha,
o cosmo todo endoidou.

A Lua transou com Zeus,
o Sol com a Ursa Maior,
a Ursa (Menor solitária),
se deu pro contraventor;
Calunga, de sunga e tridente,
pra virgem do interior.

A sobra de algum pecado,
na moral do pastor,
vai pra santa do andor,
da procissão dos calados;
entre os marinhos selados,
macho-fêmeo é paridor.



MARTELO CARIOCA II-2000
(sem medo de ser cafona)


Na virada solene do dois mil,
não pensei nem em Copa ou Ipanema,
apelei pro gogó da siriema,
ordenhei muita vaca no canil;
esperando o vinte e um de abril,
sem ouvir o trumpete da fanfarra,
me vesti de imperador da farra,
virei copos até cair na lona;
eu, sem medo nenhum de ser cafona,
galopei no martelo o chão da Barra.

Na primeira manhã do ano novo,
em passadas velozes de perdiz,
grafitei mil palavras na matriz,
me vali da estátua feito corvo;
injetando na tocha um dardo torvo,
lambuzei todo o mármore carrara,
frajolice nenhuma se compara,
minhas vestes são sedas de Verona;
eu, sem medo nenhum de ser cafona,
galopei no martelo o chão da Barra.

Nas paredes do ap, fundo amarelo,
o nu fake de Antônia e Karine,
os flagelos de Santo Meneghine
e um tapete de urso mashmallow;
pra compor o ambiente em tom marmelo,
retirantes da tribo paroara,
invadiam o asfalto sem amarras,
cortejando o bordel da marafona;
eu, sem medo nenhum de ser cafona,
galopei no martelo o chão da Barra.

Passeando na Disney brasileira,
atravessei New York num minuto,
tudo falso e errado, tudo bruto,
muita girl, nenhum pé de laranjeira;
macaquice fardada de estrangeira,
happy birthday, jiu-jitsu, muita marra,
na calada da noite a gente esbarra,
com a loirice fatal da primadona;
eu, sem medo nenhum de ser cafona,
galopei no martelo o chão da Barra.

2 comentários:

  1. ESSA SUA VEIA DE CORDELISTA EU NÃO CONHECIA, MAS VI QUE "TU APRENDEU" RÁPIDO A SER NORDESTINO.

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  2. Nada tão difícil, né Manassés! Afinal, filho, pai e avô de nordestinos, com vivência de mais de 10 anos naquela fascinante região, não poderia deixar de aprender a arte dos cordelistas. Mas estou muito longe da sensibilidade dos cordelistas autênticos. Sou, de verdade, um pota urbano.

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